LEISHMANIOSE MATA!

CAMPANHA DE CONSCIENTIZAÇÃO E PREVENÇÃO DA LEISHMANIOSE.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Ministro Joaquim Barbosa presidente do STF decide que podemos sim tratar os cães com leishmaniose.

SUSPENSÃO DE LIMINAR 677 SÃO PAULO
REGISTRADO :MINIST RO PRESIDENTE
REQTE.(S) :UNIÃO
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
REQDO.(A/S) :TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) :SOCIEDADE DE PROTEÇÃO E BEM ESTAR ANIMAL
- ABRIGO DOS BICHOS
ADV.(A/S) :WAGNER LEÃO DO CARMO
DECISÃO: Trata-se de pedido de suspensão de liminar formulado pela União contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região no julgamento da apelação 0012031-94.2008.4.03.6000.Ao prover o recurso, o acórdão impugnado julgou procedente ação cautelar proposta pela Associação de Proteção e Bem Estar Animal Abrigo dos Bichos.O julgamento resultou no acolhimento da pretensão formulada pela autora da demanda, sediada em Campo Grande-MS, no sentido de afastar a aplicação da Portaria Interministerial 1.426, aprovada em 11 de
julho de 2008 pelos Ministros da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.O regulamento cuja aplicação foi afastada proíbe o tratamento da leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano ou não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
No caso de descumprimento da proibição de tratamento, a Portaria Interministerial 1.426/2008 prevê punições de caráter ético-profissional aplicáveis a médicos veterinários. Prevê, também, sanções de caráter administrativo, com remissões às normas federais que tratam das infrações à legislação sanitária federal e da fiscalização de produtos de uso veterinário.Ainda segundo a Por taria Interministerial 1.426/2008, a recomendação de tratamento da leishmaniose visceral canina com medicamentos destinados a uso humano enseja aplicação da sanção prevista no art. 268 do Código Penal, que trata do crime de infração de medida sanitária preventiva.
O presente pedido de suspensão de liminar foi originariamente proposto perante a presidência do Superior Tribunal de Justiça.O feito foi remetido a este Supremo Tribunal Federal em decisão proferida em 11 de março de 2013 pelo min. Felix Fischer. Naquela oportunidade, o presidente daquela corte superior concluiu pela presença de matéria constitucional, à luz do art. 25 da Lei 8.038/1990.Na petição inicial deste pedido de suspensão, a União lembra a existência de decisão anterior, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, na qual foi deferido o pedido de suspensão de liminar e sentença (SLS 1.289-AgR, rel. min. Ari Pargendler, DJe 19.11.2010).Naquela ocasião, o Superior Tribunal de Justiça suspendeu acórdão anterior do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que exigia o consentimento do proprietário do animal para a realização da eutanásia do cão soropositivo para leishmaniose visceral.O acórdão que veio a ser suspenso naquele julgamento fora proferido em agravo de instrumento em ação civil pública ajuizada pela Associação de Proteção e Bem Estar Animal Abrigo dos Bichos, isto é, a organização não governamental proponente da ação cautelar ora em discussão.
De acordo com a União, é evidente a possibilidade de extensão da conclusão alcançada na SLS 1.289-AgR ao presente pedido de suspensão. Segundo a requerente, a razão para que tenha deixado de pleitear a extensão naqueles autos de suspensão de liminar consiste no trânsito em julgado do acórdão lá proferido, circunstância judicial que desautoriza o pleito extensivo, na linha da jurisprudência sobre o assunto.Quanto à presença dos requisitos para a suspensão pleiteada, a União sustenta que o cumprimento do acórdão impugnado representa grave lesão à saúde pública. Os estudos científicos que embasam o pedido da União atribuem ao cão papel crucial na transmissão da leishmaniose visceral, doença que é considerada grave em humanos. O cão funciona como reservatório do protozoário causador da doença. Insetos flebótomos – mosquito palha, tatuquira ou birigui, nas diferentes denominações populares – são os vetores da enfermidade, responsáveis pela transmissão do protozoário dos animais para o ser humano. De acordo com a União, a política de combate à leishmaniose visceral adotada pelo Ministério da Saúde prevê que a eutanásia sistemática de cães somente será adotada em áreas consideradas de transmissão moderada a intensa, isto é que tenham apresentado mais de 2,4 casos humanos da doença nos últimos três anos.A adoção da eutanásia nessas regiões decorre da percepção de que o controle dos reservatórios deve ser iniciado pelas áreas de maior concentração de casos. A estabilização do número de ocorrências a partir de 2004 seria evidência do acerto dessa política. Nesse ponto, a União lembra que, de acordo com esses critérios, o Município de Campo Grande pode ser considerado área de incidência intensa da leishmaniose visceral. Expostas as premissas da política nacional de combate à leishmaniose visceral, a União passa às razões que justificam, no seu entender, a proibição do tratamento de cães infectados.De acordo com a requerente, existem pelo menos três justificativas para impedir o tratamento de cães. A primeira delas se refere à importância do cão como reservatório em potencial. De acordo com a União, o mero tratamento do cão não reduz a sua importância no ciclo da doença. Em outras palavras, ainda que potencialmente livre do organismo causador da leishmaniose, a permanência do cão na área endêmica é elemento que sempre aumenta a chance de nova transmissão para humanos.A segunda justificativa para impedir o tratamento de cães liga-se à eficácia das substâncias tradicionalmente adotadas no combate aos sintomas da doença. Segundo a União, o tratamento a base de antimoniato de meglumina, anfotericina B, isotionato de pen tamidina, alopurinol, cetoconazol, fluconazol, miconazol e/ou itraconzol não apresenta resultados satisfatórios. Os cães tratados com essas substâncias podem deixar apresentar sinais clínicos da leishmaniose, mas continuam propensos a recidivas.A terceira razão para o não tratamento dos cães identifica no uso de substâncias destinadas para uso humano a consequência negativa do aumento da resistência do protozoário ao princípio ativo utilizado naqueles medicamentos. O embasamento científico mencionado pela União sugere que os cães funcionam como “campo de prova” para a
seleção de protozoários mais resistentes aos prin cípios ativos de reconhecida eficácia no tratamento da leishmaniose em humanos.
Nesse ponto, a União menciona alerta da Organização Mundial da Saúde no sentido de que o número de substâncias eficazes contra o protozoário é limitado e de que não há perspectiva de aumento desse número no futuro próximo. Em contraponto às afirmativas da autora da ação cautelar quanto à diferenças existentes no tratamento da leishmaniose no Brasil e na Europa, a União argumenta que, ao contrário do sugerido, a única diferença relevante é que, na Europa, os proprietários dos animais são autorizados a evitar eutanásia dos cães infecta dos, desde que se comprometam a tratar dos animais, autorização que não poderia ser adotada no Brasil. Para a União, ao contrário da Europa, a leishmaniose é um problema de saúde no Brasil, uma vez que, em razão da ausência de um inverno rigoroso, os protozoários causadores da enfermidade e os insetos vetores podem ser encontrados durante o ano todo. Contribuem para a difusão da leishmaniose as condições de saneamento e moradia da população brasileira. Em reforço à tese exposta na inicial, a União também menciona acórdão do pleno do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) que, no entender da requerente, pode ser considerado representativo da opinião daquele conselho a respeito do acerto das normas contidas na Portaria Interministerial 1.426/2008.No acórdão transcrito na petição da União, o CFMV cassou mandado de presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Mato Grosso do Sul em decorrência de declarações daquela médica v eterinária a favor do tratamento de cães com leishmaniose visceral. No
julgamento, o CFMV entendeu que as declarações teriam colocado em risco a própria existência do sistema de fiscalização profissional. A União também aponta a existência de questão processual que demonstraria a ilegitimidade do acórdão impugnado. É que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região teria julgado a ação cautelar proposta pela associação autora como se se tratasse do feito principal, circunstância que embasaria a aplicação do regime legal de contracautela. Na petição que ofereceu nestes autos, a Associação de Proteção e Bem Estar Animal Abrigo dos Bichos impugnou o cabimento da medida de suspensão. A interessada aduz, em preliminar, que a competência para julgamento do presente pedido é do Superior Tribunal de Justiça. Isto porque, em sua opinião, teria prevalecido no acórdão que se pretende suspender conclusão pela mera ilegalidade da Portaria Interministerial 1.426/2008, tendo sido rejeitada a alegação de inconstitucionalidade incidental daquele ato regulamentar. Nesse sentido, ainda que referida inconstitucionalidade tenha sido efetivamente mencionada na inicial da ação cautelar, o pronunciamento judicial posto em análise suspensiva terse-ia limitado aos aspectos infraconstitucionais da matéria, o que atrairia a competência do Superior Tribunal de Justiça para julgar o presente feito. Ainda de acordo com a associação autora da ação, não se sustenta a alegação da União no sentido de que o presente pedido poderia ser tratado como mera extensão de suspensão anteri ormente deferida.Segundo argumenta a associação Abrigo dos Bichos, o objeto da demanda anterior era lei municipal de Campo Grande-MS que autorizava o poder público a adentrar em domicílios para realizar a eutanásia de cães soropositivos para leishmaniose visceral, ainda que sem autorização do proprietário do animal. Na ação cautelar objeto desta suspensão, o pedido limita-se à declaração da inconstitucionalidade incidental da Portaria Interministerial 1.426/2008.
Quanto ao mérito do pedido da União, a associação Abrigo dos Bichos sustenta que a aplicação da Portaria Interministerial 1.426/2008 resulta, na realidade, em eliminação sumária dos cães supostamente contaminados, sem que seja concedida aos proprietários chance de providenciar tratamento adequado à doença. Para a associação, a determinação drástica resultante da aplicação do regulamento contraria as conclusões recentes da literatura científica. Em sentido contrário às premissas adotadas pela política pública de combate à leishmaniose, o cão soropositivo, quando submetido ao tratamento adequado, torna-se assintomático e, nessa condição, não pode ser considerado como reservatório do protozoário. Ainda nessa linha de argumentação, a associação Abrigo dos Bichos também menciona dados que sugerem que cerca de 20% dos cães sacrificados não estão efetivamente infectados pelo protozoário. Os falsos positivos têm origem em falhas existentes nos testes comumente utilizados no diagnóstico, os quais se limitam a constatar a presença dos reagentes indicativos no sangue do animal, sem que a presença do protozoário no organismo seja de fato constatada em exame parasitológico. Entre os estudos trazidos aos autos pela associação Abrigo dos Bichos encontra-se informe técnico publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, vol. 34, n. 2, p. 223-228, março-abril de 2001. O texto apresenta as conclusões de comitê de especialistas reunidos até dezembro de 2000 para avaliar o programa nacional de combate à leishmaniose visceral, em convocação realizada pelo Ministério da Saúde.Entre as conclusões, o informe aponta para o fato de que a política de eutanásia de cães possui fragilidades, entre as quais a grande velocidade de reposição dos animais eliminados e a baixa eficiência dos testes sorológicos utilizados para detectar a infecção canina. O texto também menciona a inexistência de experiências de sucesso que possam ser atribuídas exclusivamente ao sacrifício de cães, sendo que os relatos exitosos de combate à doença atribuem a diminuição da incidência à conjugação de várias iniciativas diferentes, em especial o combate dos vetores com inseticidas. Em todo caso, o comitê sugere a interrupção da política de triagem sorológica seguida de eliminação dos cães,recomendando a sua substituição, nos locais em que não haja confirmação de vetores ou de casos humanos, pela implantação de medidas de vigilância e educação em saúde.A petição da interessada também traz publicação mais recente,contida no número 101, ano XVII, da revista Clínica Veterinária,novembro-dezembro de 2012, p. 28-29. O texto apresenta as conclusões de encontro do Brasileish – Grupo de Estudos em Leishmaniose Animal ocorrido em 26 de outubro de 2012 e ressalta a necessidade de se adotarem iniciativas preventivas como o controle da população canina por meio de esterilização, vacinação e cadastramento de proprietários, bem como o incentivo pelo poder público à utilização de inseticidas, em especial os colares, cuja utilização nos cães é considerada imperativa. O grupo também recomenda que o diagnóstico da leishmaniose visceral seja feito exclusivamente por médico veterinário, por meio de exames que não se restrinjam ao de sorologia, devendo ser adotado o critério de duplo teste a fim de excluir falsos positivos. Por fim, o Brasileish também sugere que o proprietário do animal seja previamente informado das alternativas existentes diante da confirmação do diagnóstico de leishmaniose visceral canina. Se a opção for pelo tratamento, o médico veterinário responsável deve realizá-lo por meio de protocolos que confiram melhora ou cura clínica do animal e redução da carga parasitária, a serem atestadas por meio de exames clínicos e laboratoriais. No que se refere aos argumentos da União quanto às diferenças entre Brasil e Europa, a associação interessada sustenta que as diferenças climáticas e de condições de vida não podem ser utilizadas como critério definidor da política de combate à leishmaniose visceral. Assim, as dificuldades decorrentes do clima e das condições de habitação devem ser enfrentadas por meio de iniciativas permanentes, inclusive a melhoria do saneamento, sem atribuir ao sacrifício de cães papel preponderante .Deve prevalecer, segundo a interessada, o tratamento do animal, com a devida responsabilização do proprietário caso venha ser descumprida a obrigação assumida.
Quanto ao acórdão do CFMV que comprovaria o respaldo daquela instituição à Portaria Interministerial 1.426/2008, a associação Abrigo dos Bichos alega que o afastamento da presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso do Sul foi medida ditatorial, a qual
está sendo questionada judicialmente. A associação também argumenta
que a decisão pela cassação do mandato não avaliou as razões de fundo
relacionadas aos fundamentos científicos do tratamento. A associação interessada conclui sua petição com a afirmação de que o conteúdo da Portaria Interministerial 1.426/2008 afronta direitos individuais e restringe a autonomia do médico veterinário de decidir pela melhor alternativa de tratamento. Além dessas violações, o regulamento também impede o desenvolvimento científico de alternativas de diagnóstico e tratamento da leishmaniose visceral e possui efeitos adversos sobre a liberdade de pesquisa e de cátedra, uma vez que tem sido usado de forma a restringir a manifestação de opiniões a respeito da leishmaniose visceral canina. O parecer ofertado nestes autos pela Procuradoria-Geral da República sustenta, preliminarmente, a competência desta Corte para processar e julgar o pedido, ante a presença de matéria constitucional. Quanto ao mérito, o Procurador-Geral da República aponta para indícios de que a eutanásia é necessária ante o aumento da população canina infectada. Ainda de acordo com o parecer, o acórdão impugnado pela União adentrou matéria pertinente ao juízo discricionário da Administração Pública .

Ao final, o Procurador-Geral da República opina pelo deferimento
da suspensão.
É o relatório.
Decido.
Na linha dos precedentes desta Corte, entendo que a conclusão pela presença da matéria constitucional que afirma a competência desta Presidência deve pautar-se pela análise da causa de pedir articulada na ação proposta na origem e do teor do acórdão que se pretende suspender(Rcl 543, rel. min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 29.09.1995; SS 2.918, rel.min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 25.05.2006).
No presente caso, é inequívoco que a associação autora da ação cautelar louvou-se, na inicial, na inconstitucionalidade do ato regulamentar, com apelo ao art. 225 da Constituição. No acórdão que se pretende suspender, a matéria constitucional pertinente foi devidamente apreciada no voto condutor, tendo havido juízo relativo à incompatibilidade dos termos do regulamento com os princípios constitucionais da legalidade e do livre exercício profissional (art. 5º, II e
XIII) e também com o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado,aqui incluída a vedação à crueldade (art. 225, caput, e § 1º, VII). O Supremo Tribunal Federal é, portanto, competente para julgar o presente pedido. Passo a apreciar a suspensão pleiteada pela União. Pelo que se pode extrair das manifestações contidas nestes autos, o tratamento de cães com leishmaniose visceral apresenta peculiaridades e deve ser acompanhado por médico veterinário, de maneira a mitigar os
riscos à saúde dos animais e da coletividade em geral. Devem ser adotados métodos seguros e transparentes de controle dos resultados, bem como exigências relacionadas à responsabilização do s proprietários, no sentido de impedir que os animais tratados venham a constituir focos de disseminação da doença. Sob esse ângulo, o acórdão que a União pretende suspender limitou-se a permitir que a associação autora da ação cautelar possa adotar providências adequadas no encaminhamento da questão, sem que tenha sido demonstrada grave lesão à saúde pública.Longe de impor restrição desmesurada à atuação do poder público,o acórdão que se pretende suspender não impede, não previne e não desestabiliza a política pública de combate à leishmaniose já desenvolvida pelas autoridades federais, estaduais e municipais. O alcance da decisão impugnada é a mitigação de uma das providências incluídas no programa, a qual foi considerada drástica e até mesmo cruel pelo acórdão que a União pretende suspender, no sentido normalmente empregado para descrever as práticas que esta Corte considera vedadas pelo inc. VII do § 1º do art. 225 da Constituição (vejam-se,por exemplo, o célebre caso da farra do boi, RE 153.531, rel. p. acórdão min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 13.03.1998, e a recente reafirmação do entendimento protetivo no que se refere às brigas de galo, ADI 1.856, rel. min. Celso de Mello, Pleno, DJe 14.10.2011).O poder público continua titular de poder discricionário de ação, devendo exercê-lo para encontrar alternativas de enfrentamento responsável da questão, em parceria com cientistas e médicos veterinários.
Ante o exposto, indefiro o pedido.
Publique-se.
Brasília, 8 de outubro de 2013
Ministro JOAQUIM BARBO SA
Presidente
Documento assinado digitalmente
10
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônicohttp://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 4653209
-- 
Atenciosamente
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sexta-feira, 14 de junho de 2013

SUJEITOS DE DIREITO - ANTONIANA OTTONI

A portaria caiu, e agora?

14 de junho de 2013 às 16:20

Este artigo foi escrito com a colaboração do Dr. Paulo Tabanez, Médico Veterinário Infectologista e Diretor do Hospital Veterinário Prontovet – DF e Membro Fundador do Brasileish - Contato:pctabanez@uol.com.br
Informações gerais sobre a doença:
Leishmaniose Visceral é uma doença causada pelo protozoário Leishmania infantum transmitida pela picada do vetor (Mosquito Palha) para um indivíduo susceptível (homem, cão, gato, rato, raposa, gambá, entre outros). A maior parte dos cães infectados ficam assintomáticos por períodos variáveis de tempo, de acordo com a sua resposta imunitária. Os sinais clínicos no cão são variáveis e inespecíficos e podem imitar qualquer doença. Os sinais mais comuns são problemas de pele, oftálmicos, emagrecimento, aumento das unhas, anemia e insuficiência renal. O diagnóstico final é feito por exame parasitológico, ou seja, visualização do parasito diretamente ou por meio de detecção molecular do mesmo. Os testes sorológicos podem ser usados como triagem e somente são confirmatórios quando apresentam títulos altos, estes exames confirmam infecção e não doença. São vários os protocolos terapêuticos e que devem ser considerados de acordo com o estadiamento da doença pelo médico veterinário. Os animais tratados devem ser acompanhados por toda vida, além de usarem os repelentes/inseticidas constantemente. Para os animais não infectados devem-se preconizar métodos preventivos, como vacinas e repelentes/inseticidas, que reduzem o contato cão-vetor. Existem duas vacinas no mercado brasileiro, Leishmune da ZOETIS (antiga PFIZER) e Leishtec da Hertape Callier.
A Portaria Caiu e Agora?!?
Recebemos com imensa alegria no último janeiro de 2013, a notícia que a Portaria Interministerial do Ministério da Saúde Nº 1426/2008 havia sido derrubada, isto é, não estaria mais em vigor a portaria que proíbe o tratamento de cães com Leishmaniose.
É importante dizer que a portaria interministerial não proibia o tratamento, na verdade não permitia usar em cães doentes as mesmas drogas que são utilizadas para tratar os seres humanos com Leishmaniose.
A portaria proibia o uso de duas drogas: a Anfotericina B e o Antimoniato de Meglumine (Glucantime). Na Europa, entretanto, o tratamento de cães é realizado com o uso de outra droga, o Milteforan, que é utilizada exclusivamente para o tratamento de cães, mas não pode ser importada pelo Brasil, pois não tem registro aqui. Lá também existe um Glucantime feito pelo Laboratório Merial para uso veterinário, entretanto o Governo Brasileiro não permite a sua importação.
O Glucantime no Brasil, não pode ser comercializado, essa droga é distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS), não podendo ser comprada em farmácias comuns. É de uso exclusivo para seres humanos.
O fato é que, independente do uso destas drogas existem protocolos que podem ser usados para o tratamento de animais e que não são utilizados para o tratamento em seres humanos. E esta informação desmistifica um dos maiores impedimentos para o tratamento canino, que é a possível resistência do parasita ao tratamento oferecido.
O que nunca foi comprovado!
Voltando a Decisão do TRF 3º Região, que destitui a portaria do MS, a sentença afirma que “A Portaria n.º 1.426 é ilegal, porquanto extrapola os limites tanto da legislação que regulamenta a garantia do livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis protetivas do meio ambiente, em especial da fauna”.
É ilegal, por afrontar a legislação protetiva do meio ambiente, especialmente a Lei n.º 9.605/98, que tipifica, dentre os crimes ambientais, aqueles que são cometidos contra a fauna, e também a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em assembleia da Unesco, em Bruxelas, no dia 27 de janeiro de 1978, que regulamenta a matéria no âmbito internacional, e que foi recepcionada pelo nosso sistema jurídico.
A proteção dos animais em relação às práticas que possam provocar sua extinção ou que os submetam à crueldade é decorrência do direito da pessoa humana ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no inciso VII do §1º do artigo 225 do texto constitucional.
A Constituição Federal, a Declaração de Bruxelas e as leis de proteção à fauna conduzem-se no sentido da proteção tanto da vida como contra os maus tratos. A vedação de medicamentos usados para humanos ou dos não registrados para aliviar ou evitar a doença em causa, desde que prescritos por quem de direito, representa séria violação e desrespeito aos estatutos mencionados.
Por isso, a decisão do TRF foi categórica ao determinar a extinção da portaria e, com isso, a liberação do tratamento, entretanto as partes contrárias a esta decisão ainda tem direito de apelar contra esta decisão.
O que causou grande espanto foi o Presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária, quem em tese deveria defender o direito dos animais a tratamento, se manifestar contra tal decisão e informar que irá cassar o registro dos veterinários que tratarem a doença. Na verdade, agora é o conselho que age contra a lei, pois foi uma Decisão Federal que decidiu revogar a portaria.
O que demonstra a grande necessidade de mobilização da classe veterinária e da população brasileira, para fazer um levante nacional, com o intuito de pressionar e colocar novos dirigentes em cargos de importância como a presidência de conselhos.
Estamos em um momento crítico em nossa sociedade, em que se exige uma mudança paradigmática na forma de se encarar os problemas globais, originados principalmente pelas questões ambientais; e dirigentes pouco instruídos, que defendem uma política ineficaz e ultrapassada, indo contra decisões judiciais, que são amparadas em nossa lei maior – A Constituição Federal de 1988 – não podem representar uma classe profissional, e muito menos impedir a remodelamento de politicas públicas de saúde, que afetam toda a população brasileira.
Este levante já vem acontecendo há alguns anos, a população está cansada de matar seus bichos de estimação, esta cansada de ver milhares de inocentes serem mortos, em nome de uma política ineficaz e que se mantém embasada em dados, no mínimo, contraditórios, pois existem inúmeros casos de regiões onde os cães foram exterminados e as pessoas continuam contraído a doença.
Abaixo algumas das várias iniciativas de mobilização social a favor do tratamento de animais com leishmaniose:
- A campanha da ONG Arca Brasil “O cão não é vilão!”; pode ser acessada em:http://www.ocaonaoeovilao.org.br/
- Comunidade do Facebook “Leishmaniose: prefiro tratar que matar”; pode ser acessada em:https://www.facebook.com/LeishmanioseCanina
- Projeto de Lei, do Deputado Geraldo Resende sobre a vacinação pública; pode ser acessado em:
- Diversas audiências públicas para discutir o problema; pode ser acessada em:
- Criação em 2011 do Grupo Brasileish, que é um grupo de estudos sobre Leishmaniose animal, composto por pesquisadores da área, com o intuito de discutir, orientar, pesquisar, divulgar o assunto com a sociedade, universidades, conselhos, entidades de classe e profissionais da saúde.
Além dessas inciativas, várias outras vem acontecendo no Brasil, como o WORLDLEISH 5, que aconteceu em maio de 2013, em Porto de Galinhas/PE. Este evento é um congresso mundial de Leishmaniose que acontece a cada quatro anos em uma cidade do mundo. Nesta ocasião, foi possível expor a realidade absurda que o país vive. E acredita-se, que diante desta revelação seja possível conseguir apoio internacional para uma mudança na postura política no Brasil sobre a abordagem do problema.
O Dr. Paulo Tabanez, assim como seus colegas do BRASILEISH, vem incansavelmente participando e ministrando palestras sobre o tema, em congressos, cursos, simpósios nacionais e internacionais, além de audiências públicas, com o intuito de rever e ampliar a discussão da eutanásia, diagnóstico, prevenção e tratamento para esta doença nos animais.
Informações sobre a Leishmaniose no Brasil:
  • O Brasil é um dos únicos países do mundo que adota a prática da eutanásia para controlar uma doença vetorial;
  • Tal prática vem sendo questionada pela comunidade científica, que, baseada em dados científicos, vem apontando a ineficácia desta ação. Nos últimos sessenta anos milhões de cães foram eutanasiados e a incidência na doença não diminuiu. Não existe evidência científica alguma de que estas mortes tenham contribuído para a diminuição do número de casos da doença;
  • Revisões sistemáticas da literatura mundial sobre o assunto apontam que a eutanásia como forma de controle da doença não é eficaz e, muito menos, aceitável. Vários pontos contribuem para isto: baixa acurácia dos testes sorológicos (Falsos Positivos e Falsos Negativos), longo tempo entre realização do exame e remoção do animal, alto percentual de animais assintomáticos, o cão não é o único reservatório, baixa adesão do tutor devido ao aspecto emocional envolvido na relação tutor-cão (onde o animal não é entregue a eutanásia), fuga dos tutores para outras áreas, tratamento indevido (uso de drogas ilícitas e sem critério médico veterinário), alta taxa de reposição dos animais que são eutanasiados e não educação da população para métodos preventivos (vacinação, repelente, cuidados com o ambiente, etc);
  • Levantamentos mostram que a doença, que antes se limitava a zona rural, começou a invadir grandes regiões, isto é, a doença só tem avançado, mesmo com sessenta anos de sacrifício de cães  (CANICÍDEO);
  • Uma vasta rede espalhada pelo País se mobiliza para que o Ministério da Saúde comece a combater de forma eficaz, com políticas públicas, o vetor da doença – o mosquito-palha. Para o controle do mosquito palha tem que ser feito borrifação peri e intradomiciliar;
  • A recomendação do Ministério da Saúde é só usar o inseticida se houver casos humanos. Se você tiver mil cachorros com a doença na sua rua, não pode usar inseticida;
  • Tem que pensar em leishmaniose como se pensa na dengue, malária, febre amarela, no controle do vetor;
  • Necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a biologia do vetor, para que seja possível instruir melhores formas de controle do mesmo;
  • O que falta é: educação em saúde para agentes de saúde pública e para a população, posse responsável, programas de controle de natalidade dos animais para controle populacional, limpeza dos jardins, vacinação dos animais e uso do repelente nos mesmos. Esta é a melhor forma de prevenir a disseminação da doença;
  • A portaria do Ministério da Saúde que proibia o tratamento com o uso de medicamentos humanos é um ato interno e não tem efeito legal;
  • A justiça, quando derrubou a portaria, entendeu que a mesma não pode proibir. Isto se chama inconstitucionalidade reflexa, ou seja, uma norma inferior não pode ir contra uma norma superior. Portaria é uma designação de autoridade para seus comandados;
  • A justificativa do Ministério da Saúde quando publicou a portaria é que não existem resultados científicos que demonstrem que o tratamento cura. Eles querem um tratamento com cem por cento de cura. Isso não existe. Não existe nenhuma droga com cem por cento de cura. Vamos esclarecer o que significa cura, a cura pode ser: 1) Cura Clínica (não ter sinais da doença), 2) Cura Epidemiológica (não ser transmissor) e 3) Cura Parasitológica (não ter mais o parasita, não ser portador). Os tratamentos para Leishmaniose tanto humana, quanto para o cão conferem cura clínica e epidemiológica, mas não parasitológica, e o cão pode ter mais recaídas do que os seres humanos, por este motivo o médico veterinário deve acompanhar seu paciente, prevendo as recaídas, e caso aconteçam deve intervir adequadamente;
  • A portaria dizia que não pode fazer o tratamento usando droga de uso humano. A droga é a mesma: se empacota com o nome “uso humano” e se empacota com o nome “uso animal”. As drogas agem sobre o organismo da pessoa e do animal também. O que deve ficar claro é que o princípio ativo das drogas é o mesmo e que as empresas fazem deste princípio ativo um medicamento. A forma de usar segue as recomendações do médico veterinário para aquela espécie, e para o caso que está sendo prescrito;
  • Um fato interessante é que não existem quimioterápicos de uso exclusivo veterinários. Os quimioterápicos usados para animais são os que estão disponíveis no mercado para uso humano, se fossemos seguir esta lógica não existiria Oncologia Veterinária. Todo animal com câncer deveria morrer sem tratamento, assim como os cães com leish tem sido condenados à morte;
  • O que está sendo requerido na justiça é a demonstração pelo Órgão público competente, que o que eles estão falando, eutanasiar cães, funciona. Há lugares onde foram eutanasiados mais de 20 mil cães e os números de casos da doença aumenta;
  • A política de controle do Ministério da Saúde não funciona e o que está acontecendo é crime ambiental. A Lei 9.605, de Crimes Ambientais no artigo 32, que trata de Crimes e Maus Tratos, diz que se você vê um cachorro sofrendo e não faz nada, isto é crime ambiental. Se o cachorro está doente, minguando, e não faz nada, é crime;
  • Um grande problema da Leishmaniose é o retardo do diagnóstico médico, e muitas vezes a escolha do protocolo terapêutico não é acertado. Existe um teste no posto de saúde que pode ser feito e o resultado sai em vinte minutos. O custo para o Poder Público é de dez reais;
  • A leishmaniose não acomete somente o cão e o homem, mas também o gato, o rato, o gambá, a raposa, o tamanduá, entre outros mamíferos;
  • O tratamento de cães com Leishmaniose existe no Brasil, mesmo quando havia a portaria interministerial que o proibia. Existem drogas e protocolos que podem ser usados para tratar os cães e que não são usados para tratar Leishmaniose Visceral Humana. Umas das justificativas da portaria era que drogas usadas para seres humanos deveriam ser excluída do tratamento dos cães, no intuito de se reduzir a possibilidade de resistência, que acontece mais ou menos assim: se o veterinário usar uma droga para tratar um cão e isto induzir ou selecionar a resistência do protozoários a esta droga naquele cão, o inseto ao picar o animal pode se infectar com a cepa resistente e transmiti-la para outro indivíduo durante um novo repasto sanguíneo. A questão é que não existe nenhum trabalho que confirme esta resistência. É anedótica!
  • Lei Federal 569 de 1948, no artigo primeiro, diz que, se por motivo de saúde pública for determinada a eutanásia, o dono do animal deve ser indenizado. O que nunca aconteceu, as pessoas tiveram que entregar seus animais, e nunca obtiveram nenhuma compensação financeira, visto que na lei um animal é considerado propriedade de alguém (sou totalmente contra este posicionamento, mas é o que está na lei).
Como conclusão, entendemos que o momento é extremamente oportuno, contamos com a pressão internacional, com o Judiciário Brasileiro e com a mobilização social, para não mais aceitar a política imposta pelo Governo sobre o controle da Leishmaniose no Brasil.
De acordo com os fatos apresentados é visível a ineficácia da atuação governamental frente esta doença, que não para de crescer, mesmo com 60 anos de extermínio canino.
Não há mais como aceitar estes métodos primitivos de prevenção, isto coloca em risco a vida de nossos animais e de toda a população. Precisamos nos posicionar fortemente a favor: do controle humanitário populacional de cães e gatos, com política de castração em massa e campanhas de adoção; controle do inseto, cobrando do poder público ações enérgicas e urgentes nesse sentido; liberação do registro de medicamentos de uso veterinário para o tratamento da doença; vacinação gratuita para todos os animais; distribuição gratuita de repelentes, priorizando as áreas endêmicas; investimentos significativos em pesquisas sobre o tema e educação continuada dos agentes de saúde e população geral. Estas ações são as verdadeiras formas de controle da doença, quanto mais o poder público se esquivar de efetivar tais mudanças mais a doença avançará.